Há frases que se tornam independentes do seu corpo, o texto
literário, o artigo, o discurso ou o poema, para alcançarem a natureza sempre
um tanto equívoca dos pensamentos prontos a servir. Fernando Pessoa deixou-nos
pelo menos duas destas frases: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” e “a
minha pátria é a língua portuguesa”. Não são com certeza as frases mais
luminosas de Pessoa. Entre mil, porém, estas ganharam asas e andam agora por
toda a parte, servindo aos mais contraditórios propósitos e aos mais diversos
senhores. Há bocas que se abrem e a gente já sabe: ou entra mosca ou sai
Pessoa.
José Eduardo Agualusa
Os românticos e o século XX usam a linguagem da iluminação
visionária, dos sonhos configuradores, do subconsciente. Mas trata-se da mesma
dinâmica: o poeta, o compositor, o pintor não são criadores primários. São
harpas eólicas (imagem de Coleridge) que pulsões psíquicas, cujas origens e
cujo núcleo inicialmente ignorado se encontram fora do alcance dos decretos da
consciência, fazem vibrar. A técnica canaliza, não faz começar.
George Steiner
Inquirido sobre a sua raça, respondeu:
− A minha raça sou eu, João Passarinheiro.
Convidado a explicar-se, acrescentou:
− Minha raça sou eu mesmo. A pessoa é uma humanidade individual. Cada homem é
uma raça, senhor polícia.
Mia Couto
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